domingo, 13 de dezembro de 2015

A quem se aplique

- Não! Não, não! Pode largar, só depois do almoço. Ouviu?!?
Disse a mãe com um sujinho de chocolate no canto da boca.

)Jones(~

segunda-feira, 6 de julho de 2015

A breve estória que não sobreviveu tempo suficiente para ser nomeada

Começaria com aquele velho bordão de histórias infantis, mas vou trocá-lo por 
 “Sim, é o começo ou o fim”.

No inicio ele enchia aquários com água filtrada.
Iluminava-os com lâmpadas quentes.
Eram tingidos por corantes das mais diversas tonalidades.
A luz refletida causava tamanha refração em seu espirito,
          que o quarto se reformulava, fluído.

A arte de criar auroras boreais no teto.
As cores misturadas aos sonhos.
Os aquários vazios de sentido.
O colchão fundo e esburacado pela solitude 
          do corpo unilateral, aconchinhado.

Evoluiu-se em uma compulsão:
Trocava possíveis futuros amores por peixinhos dourados.
Laranja, amarelo e vermelho. Essas eram as únicas opções.
A cada delírio de possibilidade... Ele seguia o mesmo procedimento:
          atirar-se à correnteza, pedregoso.

Despia-se dos ternos e vestia a renda mais leve.
Bordada a mão por sabe-se lá que dor.
Aos poucos submergia. 
O rio o engolia e ele aguentava a erosão soterrando-se
          desviava das carcaças e troncos, esperançoso.

No final do rio, erguia-se.
Respirava encharcado
Secava as angustias
E de lá saía, de duas uma:
          um peixinho ou assim, resfriado.

Após uma noite - naquela que as luzes esfriavam o coração -
Tinha a obrigação de dar descargas,
Retornar ao rio o que lhe é de direito.
Os que não viviam tempo suficiente para serem batizados,
Recebiam seu devido tratamento:
          um enterro subaquático entre dejetos, estáticos.

Há uma noite em particular
Na qual as luzes não desenharam ilusões nas paredes.
Devia ser uma artimanha do frio incutido nos cobertores.
Nessa noite, ele vestiu seu traje mais denso,
          cercou-se em armaduras, protegido.

Então decidiu vencer a/à força (d)o rio.

J
><>
nes

terça-feira, 16 de junho de 2015

Manning Up

Eis um eu. Aqui. Reformulando lembranças de Barros. Invento argumentos, elaboro explicações, me ensino a retomar da memória corações.

Quando entrei no meu colegial, a natureza militar não me permitia muitas oscilações ou demonstrações de personalidade. Na época, apenas os rapazes podiam estudar em tal colégio, era um ambiente impregnado com testosterona e tudo de ruim ligado ao másculo.
Sempre gostei de jogar bola, por pior que eu fosse. Boas defesas e belas espalmadas, diziam os colegas. Sempre atuei como goleiro, ou no máximo na zaga.
É engraçado como ao olhar para trás começamos a usar palavras como "sempre". As frases vão se encurtando, também.
Nunca me esquecerei de um professor que tive - Todos temos professores que nunca esquecemos. Que sempre lembramos. Que tentamos nunca/sempre esquecer - Ele ensinava inglês, matéria na qual sempre fui terrível.
Em uma determinada aula, um aluno medíocre - como eu - perguntou o significado da expressão "man up" - engraçado pensar em como essa expressão soa errado nos lábios de um leigo - o professor - por mais que tente não me recordo seu nome - explicou bem rapidamente: "quando você descobre suas próprias bolas". A sala inteira riu.
Acredito que motivado pela gracinha a aula da semana seguinte foi baseada em "se tornar um homem". Um tópico terrível. Deveríamos escrever uma redação em inglês - o que já me assustava em todos os níveis possíveis - sobre o momento que nos tornamos homens. Era esperado que a essa altura do campeonato já estivéssemos com culhões bem formados e prontos para começar uma família.
Eu me lembro de todas as palavras que pus naquela redação.
Meu pensamento foi: "Estou saindo daqui, mas eles se lembrarão".
É tudo uma questão de memória. Eu tenho certeza que ainda se lembram. De pé junto. Back then.

When I was seven, I have this cousin. He was 11. I remember him well. He was used to visit my house, my aunt worked a lot and he must stay at my house to wait her. We were friends, we played a lot of games, we hunted butterflies or little bugs in the garden. We used to roll the "armadillo-balls" and play with them. 
Then my mom started to make things outside more often. And we started to get alone by ourselves. Most of the times it was just half afternoon, until 7 p.m.. One day, he told me that he had falled in love for some girl. I couldn't understand what that meant completely. I knew it, in a weird way, that I was kind of jealous and excited at the same time. Day by day he told me the little details, how pretty she was, how smart she was, how he managed to get a flower as a gift to her. In some moment he told me how he felt when he met her, the way that his body reacted to her beauty, the reactions that happens below his waist. 
I remember that was the night that I first came. My sheets got dirty. I might became a man that day, but I don't consider that my turning point. That evening I was alone with him, I told him what happened. He explained what that thing was... I wasn't sure, I thought it was pee or something. But he told me that the way I described it wasn't pee at all.
Mas isso não pode ser... Eu não gozei até atingir uns 15 anos de idade, mais ou menos...
Talvez o último parágrafo tenha sido diferente:

I remeber that was the afternoon that he first told me about masturbation. How he got his sheets dirty after some especific night He might became a man on that shitty night, but I don't consider that his turning point. That afternoon, the one he explained me those things, I was alone with him. I wasn't sure if I really understood, I thought it would be similar to pee or something. But he told me that the way that sperm goes... It wouldn't be pee at all.
I was curious, I decided to try harded. I moved my hands as he told me so. I said that I was practicing many time when nobody was looking, he laugh. I felt a warm and sweet feeling after he smiled at me. He was four years older than me, but it looked so more at that time. 
One day, he brought home a playboy. I was fascinated by those girls. We were at my room, door closed. My mom had left to do something. He asked me if I would mind. I didn't. Of course not, it wouldn't be bad, right?
Nesse ponto eu não lembro como terminei minha redação. Posso me basear nas minhas próprias sentenças, em meus descriminados momentos. Mas não sei como pus tais palavras em ordem, tais momentos construídos em afronta ao colegial, ao patriarcado militar.
Naquela noite me tornei um homem, eu continuaria me tornando um homem por muitos anos a fio, até chegar aos 9 anos de idade mais ou menos. Meu primo me mostrou o que eu sou, como eu gostaria, do que eu gostaria, porque eu gostaria. Todas as repetições, propositais ou não. Não havia amor, a não ser que você considere a matéria da carne material para canções apaixonadas.
Eu violei meu corpo. Ou talvez ele tenha o feito. Não sei quanto consentimento era possível ser dado naquela etapa da minha vida. Também não sei quão traumatizado com essas cenas eu me tornei, a ponto de rir de mim mesmo, de tornar uma revolta, de humilhar instintivamente como fui humilhado. Ou talvez eu não tenha sido humilhado, talvez eu tenha gostado. Certamente eu gostei.
Não havia tanto medo assim, não depois de algum tempo. Tanto se acostuma-se quanto se aproveita. Ou será que era comodismo?
A memória falha a ponto de não nos deixar a certeza de nossos atos.
Eram meus atos?

Eu fui advertido e suspenso depois de escrever a redação.
Às vezes, quando me questiono sobre aquele tempo, me retomo à pergunta "Man up?"

Eis um eu. Aqui. Reformulando oleiro de mim mesmo. Reescrevo memórias, elaboro novos homens, me ensino a retomar às tripas.
 LucasEx
 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Carta à Caetano

Belo Horizonte, 11 de maio de 2015

Querido,

Escrevo esta carta a fim de me despedir. Para tanto precisei acender as luzes de nosso quarto, uma exceção à escrita. Me peguei estranha, numa dulcíssima prisão que antes chamávamos conforto. O vento que te fazia desligar o ar condicionado, me gela a alma. Minha mente gira em torno de hipóteses inúteis e indelicadas. Minha tatuagem doí em âmago, a mesma dor de não ter tido você lá... Segurando minha mão. A foto que você ganhou, de nós dois infantilizando a vida, eu queria comigo.

Você costumava cantar para mim "Onde quereres revólver sou coqueiro", e foi assim que nosso amor começou. Você como meu porto, meu coqueiro, minha sombra. No nosso primeiro elance de amor Colplay tocava diariamente, você se lembra? Torrentes de paixão.
Naquela época, haviam planos à dois, ideias partilhadas... Convenhamos, eu sempre sofri mais doída que você. Mais 'queirosa' que você. Com os planos e com as expectativas.
Naquela época, pactuamos um casamento. Uma união estável sem liberdade. Um silêncio acalentador. Até no trabalho, até no trabalho.

Precisei de você, você veio. Juntamos sonhos na carreira profissional. Chamamos amigos.
Partilhamos segredos e conspirações.
Até fingirmos competir. Toda competição deveria ser revólver, mas para nós era coqueiro. Você sempre soube? Ou você sentia que não? Eu acho que sempre soube, mas você me passava uma segurança tão imensa... Tão "vai dar certo", que eu me esquecia das certezas. Você fez por querer?

Até que chegou o momento, e onde quis coqueiro era obus.

É por você ser homem? Qual é a explicação? O sentimento que me assalta é tão bruto, tão ferrenho que não consigo ficar feliz por você. Como você pôde fazer isso comigo?
Todos os nossos amigos ficaram ao seu lado. Todos eles. Me sinto traída. Essa era minha vida, e agora eu não tenho a quem recorrer. Você sempre soube que eu não era uma boa pessoa, mesmo tentando ao máximo. Você sabe, eu sei que sabe, que eu não sei lidar com rejeição... Foi você quem me ensinou isso.Você sabia que lidaria melhor, eu também sabia. Eu sabia que seria mesquinha, você também. Por que saber as mesmas coisas se não podemos planejar o futuro juntos??

Agora estou aqui, nesse quarto escuro... Relendo o Neruda que você me deu em meu aniversário. "Posso escrever os versos mais tristes essa noite". Falando em aniversário, eu ainda terei de passar esse dia sozinha, sem nossas tradições, sem você.  Não sei se saberei suportar novamente essa dor que senti antes de te conhecer, não sem você. A dependência é grande e a raiva me corrói, como posso lidar com essa agonia que agora está ligada diretamente a você?

Me entristece ver que você não deu o máximo de si, e mesmo assim conseguiu. Eu já vi você dando seu máximo, não chega aos pés disso. Que você não terá de sacrificar nada, você não precisaria largar nada que ama. Me enraivece te ver tranquilo, enquanto eu reformulo minha vida... Ela toda. Me enfurece saber que você não agiria da forma que estou reagindo.

Que direito você tem de roubar meus sonhos? Como pôde lutar minhas batalhas? Como você pôde me deixar aqui... Sozinha?
E o pior... Como você pôde sugar a minha vontade de trabalhar e defender os meus ideais? Eu olho para o trabalho que fizemos juntos e quero me esconder... Por que?

Você vivia brincando sobre como eu estou próxima de encarar a vida. "você se forma daqui a um ano? E ai?", "E quando isso acontecer? E ai?"... Você ria com minha cara de espanto, com meus insights de realidade... E agora eu me encontro chorando com cada espasmo factual.
Talvez esse seja o motivo que me faltava, sabíamos que uma hora encerraríamos nosso tempo. Talvez seja esse o empurrão que eu precisava para me desligar, para desistir... Me provaram substituível, me provaram que eu não mais tão essencial. Você me provou.

Essa poderia ser uma carta de despedida, mas eu sei que nunca chegará a você. Quando decidi te largar, você já havia partido.  Não se despediu, nem uma carta se deu o trabalho de escrever.
Nossa história rompida, e eu impotente, estagnada, sem saber a quem recorrer.
Se ela for melhor do que eu, espero que seja feliz. Mas não agora... Agora, espero poder chorar sem culpa.

Aproveite. Tudo que sonhamos juntos.

da sempre sua.
daquela que te chama pelo nome.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

12 suposições num terraço

1ª Estudante de Moda
"Ela não queria sujar de sangue os sapatos novos."

Ao se deparar com a bancada, mais alta do que pensara, usou dos saltos para escalar sua própria vontade. A primeira que lhe serviram, toda sua vida aquelas agulhas só a alfinetaram. Os toc toc vinham cantados os tamanquinhos.
Uma vez lá em cima, retirou o par de saltos vermelhos... Bateu-os três vezes... E saltou aos ventos.

2º O físico
"Descalço provaria a liberdade"

Verdade é... Preso em leis, estava fadado e mais do que provado.
Newton já havia resolvido o problema.
Lá em cima, antes de ir, cortou o ar com um dos sapatos. Esperou; escutou o grande assovio; enfim o baque seco.
Calculou o tempo preciso, a massa necessária e as parábolas de sua vida.
O atrito o incomodava.
Algo precisava fazer sentido e morrer com apenas um pé calçado não se enquadrava em "faz sentido".
Nenhuma entropia poderia ser medida, explicada, provada.

3º O bioquímico
"Queria sentir a adrenalina com mais precisão"

Quando sua namorada lhe trouxe o par de sapatinhos de croché, resolveu não deixar bilhetes.
Deixou apenas os sapatos polidos no parapeito.
Você sabe qual é a química por trás de um aborto?

4ºª Economista.
"Capitalismo"

Poupou muito em sua vida.
Retirou os sapatos,
Massageou os pés cansados,
Levantou-se, respirou
Calmamente, aproveitou
Longamente
Aquele ultimo momento.
Como se fosse o último.

5ª A arquiteta
"Queria testar o pé-direito com os próprios pés"

A alpargata estava descolando a sola, coisa mais boba. De todo modo, descalça não corria o risco de terminar a vida com o pé esquerdo.

6º O cientista político
"É uma forma de protesto, deixando os sapatos como mensagem."

De todos os atos políticos que presenciou...
A chuva torrenciava a desgraça de sua existência.
Encharcara-o até a alma.
Os pés tão pesados pelos sapatos ensopados:
Quase ancoraram aquele ser em cima do muro.
Retirara os calçados.
O que ninguém viu reparou é que ele manteve as meias.

7ª A radialista
"Força do hábito"

Ela apresentava um programa tarde da noite, logo depois da faculdade. Era um estágio mal remunerado. Não havia muito entre chegar em casa e os preparativos para dormir, mas ela repetiu todo o processo - como sempre fazia:
Tirava os sapatos,
repetia pra si mesma "Amanhã vai ser outro dia"
e apagava a luz.

8º O teórico
"Estava possuído, galgou descalço seu caminho para o inferno."

O demonio da teoria ainda não habitava o corpo oriental.
Em teoria: não era agradável pensar nos pés inchados pela embolia sanguínea.
Na prática: algumas culturas retiram o sapato para pisar em solo sagrado - em casa por exemplo.

9º O nadador
"Ele quis tomar impulso"

Realmente, acostumado a mergulhar de cabeça -
Posicionou-se com os dedões na borda, pela firmeza do movimento.
Havia inclusive aberto e flexionado as pernas.
Mas estava descalço por outra razão - para sentir o frio do mármore,
Sempre que levantava de sua cama, punha os pisava em uma superfície gelada.
Almejava acordar de um pesadelo.
Ou se equilibrar para o que viria em seguida.

10ª A antropóloga
"Pela liberdade"

Não, lembrava-se claramente de seu pai explicar, claramente
"Negros libertos usavam sapatos"
Porém, como estudiosa da cultura que a envolvia e a precedia... Quis entender o porquê dos outros 9 terem retirado seus sapatos.
Experimentação cultural.
Perpetuar a cultura de seus iguais, mesmo que não a entendesse... Daí, talvez, pudesse surgir algum tipo de orgulho.
Algum tipo de pertencimento.

11º O músico
"Bater as botas não soava bem".

Todo orgasmo era um arrepio.
Com um espasmo estalava os dedos dos pés.
A sinfonia de 'tecs' lhe tomava o corpo.

12º O poeta
"Queria canonizar. Banalizar a morte em poesia: Tirar os pés do chão"

Era mentira... Ele havia tentado uma primeira vez, mas o vento era forte de mais e o fez voltar.
Da segunda vez, pensou na mãe... No casaco que ela havia costurado como presente de natal.
Após retirar o casaco, pensou no som que seu corpo faria durante a queda... Decidiu tirar todas as falsas asas que o cobriam.
Na quarta vez, pensou em algo inapropriado para o momento. Tirou a cueca, o pano que faltava, por conta de uma piada que seu irmão costumava fazer: "Criando o passarinho solto". Que tipo de pessoa citaria Quintana - "Eu passarinho" - projetando uma gaiola?
Restaram apenas os sapatos de toda roupa que vestia.
"O bilhete!!!"
Com a caneta que sempre guardava no bolso da calça foi explicar seus motivos.
O único local plausível eram as solas de suas botas.

O poeta se expõe nu, mas ainda acreditam que ele queira se tornar um cânone na sociedade dos mortos.

1Xº Jones




quarta-feira, 22 de abril de 2015

No nome de quem?

Com desespero,
a ligação completou,
saudaram-se;
Pausa.

"Queria explicar minha situação".
Tomou fôlego.
A vida passou de supetão pela rede telefônica.
"E por isso... [Entre soluços]
Eu queria ver o que é possível fazer por mim."

O atendente,
sem reação emotiva,
Renova o livro que ela devia.
Ela - mais calma -
agradece.

- Nada, qualquer coisa me ligue.


JoneSessentaCincoDois

segunda-feira, 16 de março de 2015

Enquanto corria

Viajei por todos os mares,
oceanos de angustias e entardeceres.
Amores em cada porto, como ondas, a vida e tudo mais:
Marcas na pele.
Juntei-me em todas as manchas de sol e as fiz tinta - presa à pele.

A melanina, mais preta, mais sensível.
A tinta, que me caracterizava como saqueador de navios.
Formara uma âncora.
um Ferro.

Costumo descrever tal simbólica deformidade como instrumento.
Atiro todos os dias minhas experiências ao mar, na tentativa de me estabilizar. 
Afundo-me junto às expectativas e tento manter-me com os pés no chão (ou melhor, nas águas).
A tatuagem que me torna marinheiro, viajante, aventureiro... renega minha essência, pois seu significado tenta me ater ao fundo do mar. 
O paradoxo que me leva a navegar.
A necessidade que um objeto de ferro impõe ao navio de madeira.
A repetição: mar, navio, -ar.

Todos os dias, carrego minhas lembranças, mágoas, arrependimentos e pesos na consciência... Até abordar um inconsciente que me abarca.
Jogo essa liga ferrosa como oferenda a Iemanjá, como promessa aos santos, como revés ao destino.
Mas não a dispenso. Mantenho-a presa a barca.
Um lembrete: mesmo dura e pesada, minha história ainda é minha. 
Só posso pedir que me poupe, me sirva de porto, me apazigue.

No final do dia, me junto à boia da baía.
Quanto à âncora,
Junto cada sarda... E lá está ela,
O fardo preso ao antebraço.

Jone\|/s

quinta-feira, 12 de março de 2015

A polifonia do discurso

Ela esvaziou o estojo 
 - O que diz bastante sobre ela, não é todo mundo na faculdade que tem um estojo.
e colocou as 4 canetas vermelhas na mesa.
 - Obviamente não utilizaria essa cor à toa, tem sempre uma metonímia, uma metáfora...
 - Mas, se quisesse ser óbvio linkaria tudo aos lábios...
Vermelhas como seus olhos.
 - Agora, resta ao leitor definir as razões.
As quatro foram testadas, uma a uma, todas vazias.
 - Não vou tenta associar a nenhum aspecto da vida dela, pode deixar.
Perguntaram a ela:
"Are you ok?"

She didn't listen.
 - Aí é interessante, porque o narrador mudou de língua.
 - E o escritor tem um histórico em associar idiomas a sentimentos.
No cantinho mais fundo do estojo, havia um lápis creon.
 - Tem uma brincadeira... Talvez daquele tipo de "o autor quis dizer" com a escolha de vocábulos nessa sentença.
 - Sentença é uma palavra tão forte, né?
Ela o realocou no bolso de seu vestido.
 - Aqui, se tivéssemos uma descrição mais completa dessa "mulher/garota/senhora" saberíamos que ela detesta usar vestidos (por conta de suas pernas finas e tortas). Que se sente sempre assolada ao se sentar. E que tenta puxar o vestido com força([s] vetoriais > meridionais), através dos punhos fechados que socam os bolsos.
 - Porém, a descrição é falha e neutra. Vocês nunca saberão nada disso sobre ela.
Fechou. Antes de a professora dar a aula por terminada.
 - Fechou o que? Essa acepção é feita com o intuito de mostrar como ela AMA a matéria que está tendo. A matéria era literatura.
 - Isso foi irônico? Tem importância que matéria ela está tendo?
Catou as canetas usadas, alinhadas, desgastadas.
 - Bem comum esse recurso, talvez empobreça o texto.
Atirou todas 3 na lixeira,
Parou na última.
 - Há uma alternação de sentido em como ela maneja as canetas: "todas", "última", "uma a uma".
Imitando uma pirata, saqueadora, caolha.
 - Já que estamos na bosta mesmo, não custa muito...

Olhou o tubinho e constatou:
 - Vazio, manchado, talvez haja um restinho que nunca mais vai sair.

Jones

terça-feira, 10 de março de 2015

Psicossomático

Achei um documento que acreditei eu ser uma causa mortis.
Não era.
Entendi ser uma receita, prescrição para remediar o não.
Mal foi.
Rasguei o amassado desdobramento de parecer medicinal em 4 (quatro).
É assim:

Engasgado em clichês que não usou.

Agente causador: Medo de plágios comuns.
Sintomas: Súbito inflar de peito em suspensão de suspiro; lacrimejar esforçado por razões forçadas; mordidas aflitas no lábio inferior acompanhadas de trilha sonora folkanianas; reações alérgóricas à filmografia pseudo-romântica seguida de soluçar arritmo petulante, morte enunciada.
Profilaxia: Cite-se duas vezes ao dia, tomando cuidado em sempre utilizar discurso armazenado em local livre e direto.

                                                                                                                   

cold.

Agente causador: Exposição ~ em demasia ~ da solidão ao relento.
Sintomas: Pé frio; tatuagens e cicatrizes doloridas; inchaço e vermelhidão em toda face (principalmente ao se deparar consigo mesmo no espelho); dissertações compulsivas em formato de stream of consciousness.
Profilaxia: Vestir calças longas, "vivendo" protegido de qualquer tipo de arrepio.

                                                                                                                   

"Indetereminência"

Agente causador: Schizophrenia Nostalgicas
Sintomas: forte propensão ao monólogo; coceira no ego; grandes pausas

de silêncio
anárquico;

péssimo entendimento de si mesmo; desamor carnal.
Profilaxia: Pastiches moderados com altas dosagens de pós-modernismo de um conceito de "eu".

                                                                                                                    

Esvaziamento das vistas

Agente causador: Unknown
Sintomas: Coloração intensa de toda causa externa; desvio da função "will"; surgimento de lacunas arquitetônicas no subjetivo; miopia funcional aplicada aos relacionamentos interpessoais.
Profilaxia: Escrever.



Já era noite, tranquei a biblioteca, desci as escadas, o vento uivou, os sinos da igreja tocaram e a porta se encontrava meio aberta, à meia luz. Essa cena, na qual Poe se deleitaria, me suspendeu um suspiro, um calafrio nas pernas, uma certa confusão mental e uma vontade pungente de escrever.

J§nes

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O Rei que dava palácios a torto e a esquerda

Foi sendo uma vez... Um menino que se proclamou Rei.
Se te serve de incomodo, ele era um rei generoso e bom, como nos contos de faunos.
Particularmente, era um rei amado. Não daqueles colocados em tronos: Era muito novo e contemporâneo para tal. Preferia um amor distribuído, havia lido na infante literatura de seus sonhos que os suseranos atribuíam títulos e terrenos aos seus mais honrados vassalos - e é daqui que começaremos sua história.

Foi sendo a primeira vez, um bravo cavaleiro que arrebatara monstros pesadelísticos e destruíra donzelas amabilissimágicas. Foi aquele quem tocou de supetão o coração do Rei, lhe trouxe carícias em partes desconhecidas e desejos em áreas conhecidíssimas:
Jardins e parques foram os locais que residiram o mais ten[s]ro amor.
Qualquer oráculo, com acesso ao Google, consegue prever que nenhum ingenuo Rei sobrevive ao aguçado, afiado, alarmante, aterrorizante, assustador, aprisionante amor de um cavaleiro da távola gastada.
Magoado e com farfalho coronário, atribuiu o maior parque da cidade ao cavaleiro nada cavalheiro.

É importante, a essa altura do campeonato, entender que o Rei sempre foi humano de mais, sendo assim... Ocupou a cidade, tomou-a como sua, tinha direito ao público e a nomeou da forma que achou melhor.

Tendo a experiência avassaladora de um vassalouzado, o Rei adquiriu experiência. Mas, se deixou levar pela lábia do burguês. O burguesinho lhe vendia imagens, futuros e perspectivas: Engabelado pela ganância afetiva, o Rei se perdeu em  dívidas de compaixão... Cobranças de afetos... Parcelas de carinho... Cuidados em carnês e beijos à vista.
O resultado foi uma quebra de contrato em pleno Banco Central. Aquele prédio vistoso e deslumbrante foi palco da mais desolantes cenas: Um amador chorante pelas cartas de amor contabilizadas, um amante dando as costas ao empréstimo de amor que somou aos juros de injustas causas.
O Banco Central foi privatizado.
A conta do Rei foi de corrente à poupança.

"O próximo!!"
Foi assim que o burocrata tratou o Rei. Foi um relacionamento duradouro, mas não simples.
Registrado, catalogado, arquivado, carimbado e bem mal executado...  De tanto esperar, o Rei se ambientou a aguardar o burocrata na pomposa estação de metrô. Tinha dias que espera por um recado, outros por um escrivão... Hora pelo trem, horas pelo amado.
As horas do grande relógio - que quase como em Benjamin Button - pararam junto ao término da última viagem. Dessa vez o Rei, atrasado e decidido, desceu na estação final com a certidão nominando todos os prédios históricos do transporte ferroviário, todas passagens compradas por licitação, todos os carros com passado e as futuras nunca vindas daquele amor ao burocrata que escravizou-o em papeladas.

Não houve amor mais curto e apaixonado que o do mago. Aquele ermitão entendedor de ervas e plantas lhe enfeitiçara com o mais doce dos cafés e lhe agarrara pelas borras.
De glut-glut o amor se esfriou e ficou intragável. O Rei tentou mil outros pós, e após mil outros bules deixou uma nota num guardanapo dizendo "Querido mago, fique com esse Café e seus três corações. Não consigo ver nenhum futuro no fundo de nossa xícara. Espero que guarde esse espaço com carinho. Parto para outros chás."

- Obs. Anos depois o mago lhe enviou um boneco (magia distinta) feito de sachês usados: camomila e boldo.

Não me prolongarei no amor do bardo. Amor muito poético, muito florido, muito cantado. Um amor muito. Terminou na duração de uma sinfonia (Talvez muito, talvez pouco, só os adoradores podem dizer). Claro, o recinto dado ao cantor tilelê que nada nunca teve e nunca nem teria - se não fosse o Rei - foi o Grand Teatro, secular e grande de mais para qualquer apresentação que já tenha visitado aquela cidade.
A peculiaridade desse amor... a arte. O Rei teve um caso com um ator, mascarado e personificado, enquanto ainda amava o bardo. O amor teve de sobreviver ao espetáculo da encenação, durante o desabrochar lirico nos palcos mais singelos. Quado tudo acabou, num clichê poético, o ator recebeu o camarim do Grand Teatro: pois dentro do palácio do bardo, um ator encenou atos de pseudo-amor.

Como penúltimo amor, houve o sábio. Ahhh o sábio...
Talvez me faltem palavras para descrever tal amor, tentarei pelos vocábulos mais cultos e expressões mais sagazes. Foi o homem perfeito, o sábio entendedor de entendimentos, solicito às maiores soluções, qualificador de sofreguidões e epistemologicamente cativante. Platão diria: "esse é meu amor"... E com isso nunca se concretizaria.
Foi o amor um idealizado e não vivenciado. O Rei leu romances e teorias para acompanhar tamanha sabedoria, mas desqualificado pela ignorância, nunca pode viver tamanha dissertação.
Consciente o Rei entendeu que o sábio é o mais triste dos amores. O trancou na Biblioteca Central, lá ele seria "feliz", não seria perturbado e talvez um dia fosse encontrado por alguém que o fizesse transcender o ideal.

O amor que termina essa epopeia é o amor que ocorreu na maturidade.
Não havia mais local que o Rei passasse que não o lembrasse de seus amores, o público assombrava as esquinas privadas,  Dickens mandava seus fantasma "do amor presente", "do amor passado" e "do amor futuro" a todo lance de escadas.
A solução encontrada foi tomar posse. O palácio a ele concedido foi o Museu Histórico, lá ele instaurou todas as memórias que o tornaram um nobre e restaurou todo o presente que o perturbava.
Como isso não era suficiente encontrou um Rei que o levou para as periferias da cidade para viver em paz com o futuro pacifico e melancólico (tal melancolia era sem razão, desde que todo passado poderia ser visitado a qualquer momento).

Existem duas versões para esse final... Uma meio falha e mais óbvia, na qual o Rei encontrou um outro Rei em suas viagens e por lá ficou sobrevivendo de amor num chalé. E outra na qual o Rei se conheceu.

De um modo ou de outro... O Rei era só um menino de sei lá quantos anos.

And he lived somethingly ever after.

Jon[R]e[I]s