terça-feira, 26 de setembro de 2017

Vapor (15/40)

Foi-se benzido, ungido, pesado, fardado em águas bentas.
De toda sua extensão, pautada e sentida: águas mareadas e salgadas.
Castigado, punido e sofrido em águas pingadas.
Ele foi impedido e pedido, confiado e confiante em águas de seu pai.
Transpirou suas incertezas e angustiou em águas fétidas.
Seco encontrou o sexo, o segundo sexo, e o certo.

Ele pecou, desejou, arrependeu-se em águas babadas.
Ele foi preso, amarrado, acorrentado em águas correntes.
Ele foi demarcado, identificado, prostrado em águas amarelas.
Seco se encontrou o canal. 
Seca ficou o plástico que dizia "1L de água mineral."

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Cheiro (14/40)

Raspo rápido
    O som crepida na faca como um roedor.
Chuviscam milhares de respingos
    Refresco rufado
Ralo raivoso
    Passo a mão levemente pelas raspas
O restante descendo pelo ralo.

Um redemuinho alaranjado.
Um corte rajado.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A matemática imprecisa dos dias (13/40)

Bom dia + Boa noite + Seu dia bom + Sua noite boa = Repenso
Bom dia + Boa noite + Seu dia ruim + Sua noite boa = Angustia
Dia bom + Noite ruim -  Seu dia = Espera
Dia bom + Noite boa + Seu dia = Ansiedade
Dia + Seu dia ruim - Sua noite = Desespero
Dia - Seu dia = Vazio
Dias - (- Noites) = Tempo
Bom dias + (- Seus bom dias) = Dias
Dias + Dias = Só

domingo, 17 de setembro de 2017

Cinza (12/40)

Um poste em meio ao bosque,
como li certa vez naquelas crônicas... (Ou foi você quem leu?)
Tudo escuro. Escuro em passantes e ficantes.
clareavam-se intenções:
Nem tudo que é claro é bom, aquilo que escurece pode ser melhor.
Ali, na area acinzentada, onde o certo não se endireita e o errado se aproveita.
Ali, na rima pobre e podre: Porra!
No ponto iluminado do bosque, escurem-se segredos.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

4d (10/40)

"Estou cansado de escrever sombras unidimensionais de personagens bidimensionais"
- Disse o escritor bidimensional criado pelo escritor tridimensional achando que conseguia projetar todas suas sombras em seus trabalhos.

E mesmo assim nunca quis (9/40)

Nunca antes posto dessa forma.
Nunca me senti dessa forma em relação a você.
E mesmo assim, eu preciso me sentir assim.
E mesmo assim, eu não consigo me sentir de outro modo.
Queria te ligar, te xingar, injuriar seu nome e tomar liberdade que já não tenho.
Queria ter liberdades que já não tenho.
Nunca mais vou conseguir me sentir de outro modo
Nunca mais vou injuriar seu nome.
E mesmo assim, quando penso na nossa amizade.
E mesmo assim quando penso em como eu poderia me sentir...
Queria não pensar, me lembrar que amanhã talvez não me sinta assim...
Queria entender que não é e não foi uma escolha para mim.

50 reais na carteira (8/40)

- Ou, amigo... Uma moça me deu 50 centavos você não pode interar para eu comprar...
- Desculpa, eu realmente não tenho nada.
- Eu acredito em você.
- Obrigado...
- Eu que agradeço.


segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Entrefechado (7/40)

Há uma lâmpada de bulbo redondo pendenciando o teto. As paredes combinam formar um cubo semi-perfeito, a imperfeição reside no teto mais alto que a largura que me permitem. A minha frente uma porta fechada. Um caixão em forma de quarto.

Das frestas dobradiças vejo as sombras. Penso "estaria eu nAquela caverna?", sorrio nervoso.
Do lado de fora me gritam "A porta não está trancada". Ao concluírem a frase apagam-se todas as frestas.
Na total escuridão tateio, não a saída, o interruptor para a luz do quarto. De nada adianta,  a lâmpada está queimada - ou eu me convenço que está queimada por não conseguir encontrar o maldito interruptor.
De toda forma estou só, no escuro. Mas o escuro potencializa o quarto, o espaço que antes era de pouco mais de 1 metro quadrado... agora é infinito. O teto pendula um vulto, as paredes existem exclusivamente no toque, o chão é o limiar entre a solitude e a lembrança.
No processo de me acostumar com a escuridão me esqueço da porta. "ME TIREM DAQUI!!!" "Porfavoreunãoqueromais" esmoreço em murmúrios.

Uma voz; A direção eu já não identifico mais, poderia vir do que antes eu chamava porta, mas agora já me parecia vir do além... talvez do teto.
"Você tem a chave!"
Aquilo me enlouquece, minha imaginação se derrete em um inferno de possibilidades. Para que eu precisaria de uma chave? Nunca me cogitou ter uma chave, muito menos precisar usá-la. Para destrancar o que? Mas, existia a possibilidade de saída a qualquer momento, né? Havia uma saída? Eu lembro de alguém me dizer que a porta estava aberta, ou será que foi me dito que ela estava encostada? Porque há uma lampada queimada? Quem?? Onde?? E o porquê???

Enquanto ato o nó de loucura, o ponho em minha garganta, amarro-o na maçaneta - tão fácil de encontrar, tão a altura dos olhos. Me ergo pelas paredes.
Escuto os passos. Espero pela salvação.
A passada para, a uma porta/parede/painel de distância. Espero pela rendição.
Escuto os passo a se distanciar novamente. 
Perco as forças nas pernas, caio.... Meu sufoco na maçaneta que antes nem existia. A paranoia amarrada à saída.
Me debatendo acendo a luz. Ela não estava queimada?
A lâmpada em minha garganta, queimando, minha cabeça quente, o grito engasgado.
O desespero me faz pisar na moribunda maçaneta:
E com clareza eu vejo que a porta realmente est


Posse (6/40)

Fui príncipe, logo depois de ser usurpado
Não fui coroado, mas amaldiçoado
Ele se proclamou rei, porém não o conheço.

Prevejo as mãos explorando o espólio
Não ajo ante seus desejos:
escondo os ombros, sorrio vazio, acenos.
O ódio me sufoca
e um tal formigamento na perna direita que se estende às nádegas - Pânicos
As mesmas bandas
nas quais ele hasteia sua bandeira
como quem diz "meu reino"

Espero a cerimônia acabar,
Conheço-a de outros tempos,
mesmo que inigualavelmente nova.

Espero aquele segundo - que não passa - terminar
para poder projetá-lo nas próximas horas de minha vida.
Um reino sequestrado,
um reino de segundo (a)
e ainda assim eternizado na terra de um feudo.

Me quedo em lágrimas: Instaura-se a anarquia