quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

O Rei que dava palácios a torto e a esquerda

Foi sendo uma vez... Um menino que se proclamou Rei.
Se te serve de incomodo, ele era um rei generoso e bom, como nos contos de faunos.
Particularmente, era um rei amado. Não daqueles colocados em tronos: Era muito novo e contemporâneo para tal. Preferia um amor distribuído, havia lido na infante literatura de seus sonhos que os suseranos atribuíam títulos e terrenos aos seus mais honrados vassalos - e é daqui que começaremos sua história.

Foi sendo a primeira vez, um bravo cavaleiro que arrebatara monstros pesadelísticos e destruíra donzelas amabilissimágicas. Foi aquele quem tocou de supetão o coração do Rei, lhe trouxe carícias em partes desconhecidas e desejos em áreas conhecidíssimas:
Jardins e parques foram os locais que residiram o mais ten[s]ro amor.
Qualquer oráculo, com acesso ao Google, consegue prever que nenhum ingenuo Rei sobrevive ao aguçado, afiado, alarmante, aterrorizante, assustador, aprisionante amor de um cavaleiro da távola gastada.
Magoado e com farfalho coronário, atribuiu o maior parque da cidade ao cavaleiro nada cavalheiro.

É importante, a essa altura do campeonato, entender que o Rei sempre foi humano de mais, sendo assim... Ocupou a cidade, tomou-a como sua, tinha direito ao público e a nomeou da forma que achou melhor.

Tendo a experiência avassaladora de um vassalouzado, o Rei adquiriu experiência. Mas, se deixou levar pela lábia do burguês. O burguesinho lhe vendia imagens, futuros e perspectivas: Engabelado pela ganância afetiva, o Rei se perdeu em  dívidas de compaixão... Cobranças de afetos... Parcelas de carinho... Cuidados em carnês e beijos à vista.
O resultado foi uma quebra de contrato em pleno Banco Central. Aquele prédio vistoso e deslumbrante foi palco da mais desolantes cenas: Um amador chorante pelas cartas de amor contabilizadas, um amante dando as costas ao empréstimo de amor que somou aos juros de injustas causas.
O Banco Central foi privatizado.
A conta do Rei foi de corrente à poupança.

"O próximo!!"
Foi assim que o burocrata tratou o Rei. Foi um relacionamento duradouro, mas não simples.
Registrado, catalogado, arquivado, carimbado e bem mal executado...  De tanto esperar, o Rei se ambientou a aguardar o burocrata na pomposa estação de metrô. Tinha dias que espera por um recado, outros por um escrivão... Hora pelo trem, horas pelo amado.
As horas do grande relógio - que quase como em Benjamin Button - pararam junto ao término da última viagem. Dessa vez o Rei, atrasado e decidido, desceu na estação final com a certidão nominando todos os prédios históricos do transporte ferroviário, todas passagens compradas por licitação, todos os carros com passado e as futuras nunca vindas daquele amor ao burocrata que escravizou-o em papeladas.

Não houve amor mais curto e apaixonado que o do mago. Aquele ermitão entendedor de ervas e plantas lhe enfeitiçara com o mais doce dos cafés e lhe agarrara pelas borras.
De glut-glut o amor se esfriou e ficou intragável. O Rei tentou mil outros pós, e após mil outros bules deixou uma nota num guardanapo dizendo "Querido mago, fique com esse Café e seus três corações. Não consigo ver nenhum futuro no fundo de nossa xícara. Espero que guarde esse espaço com carinho. Parto para outros chás."

- Obs. Anos depois o mago lhe enviou um boneco (magia distinta) feito de sachês usados: camomila e boldo.

Não me prolongarei no amor do bardo. Amor muito poético, muito florido, muito cantado. Um amor muito. Terminou na duração de uma sinfonia (Talvez muito, talvez pouco, só os adoradores podem dizer). Claro, o recinto dado ao cantor tilelê que nada nunca teve e nunca nem teria - se não fosse o Rei - foi o Grand Teatro, secular e grande de mais para qualquer apresentação que já tenha visitado aquela cidade.
A peculiaridade desse amor... a arte. O Rei teve um caso com um ator, mascarado e personificado, enquanto ainda amava o bardo. O amor teve de sobreviver ao espetáculo da encenação, durante o desabrochar lirico nos palcos mais singelos. Quado tudo acabou, num clichê poético, o ator recebeu o camarim do Grand Teatro: pois dentro do palácio do bardo, um ator encenou atos de pseudo-amor.

Como penúltimo amor, houve o sábio. Ahhh o sábio...
Talvez me faltem palavras para descrever tal amor, tentarei pelos vocábulos mais cultos e expressões mais sagazes. Foi o homem perfeito, o sábio entendedor de entendimentos, solicito às maiores soluções, qualificador de sofreguidões e epistemologicamente cativante. Platão diria: "esse é meu amor"... E com isso nunca se concretizaria.
Foi o amor um idealizado e não vivenciado. O Rei leu romances e teorias para acompanhar tamanha sabedoria, mas desqualificado pela ignorância, nunca pode viver tamanha dissertação.
Consciente o Rei entendeu que o sábio é o mais triste dos amores. O trancou na Biblioteca Central, lá ele seria "feliz", não seria perturbado e talvez um dia fosse encontrado por alguém que o fizesse transcender o ideal.

O amor que termina essa epopeia é o amor que ocorreu na maturidade.
Não havia mais local que o Rei passasse que não o lembrasse de seus amores, o público assombrava as esquinas privadas,  Dickens mandava seus fantasma "do amor presente", "do amor passado" e "do amor futuro" a todo lance de escadas.
A solução encontrada foi tomar posse. O palácio a ele concedido foi o Museu Histórico, lá ele instaurou todas as memórias que o tornaram um nobre e restaurou todo o presente que o perturbava.
Como isso não era suficiente encontrou um Rei que o levou para as periferias da cidade para viver em paz com o futuro pacifico e melancólico (tal melancolia era sem razão, desde que todo passado poderia ser visitado a qualquer momento).

Existem duas versões para esse final... Uma meio falha e mais óbvia, na qual o Rei encontrou um outro Rei em suas viagens e por lá ficou sobrevivendo de amor num chalé. E outra na qual o Rei se conheceu.

De um modo ou de outro... O Rei era só um menino de sei lá quantos anos.

And he lived somethingly ever after.

Jon[R]e[I]s

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