terça-feira, 14 de novembro de 2017

Formas nominais (25/40)

O monstro que há no peito quer que você volte para mim.
A aberração que habita meu estômago quer que eu vomite palavras de amor.
O fungo que cobre meu pulmão me arranca o ar toda vez que penso em você.
A memória esquecida pelos seus fantasmas assombra meu inconsciente.
O menino pirracento que esperneia minhas entranhas só quer atenção.
A mendiga que se esconde atrás dos meus nervos só quer te fazer sentir culpado.
O grito contido no meu olhar saboreia toda ajuda que você quer me dar.
A menina encolhida no meu ouvido tenta sussurrar por cima do que você me diz.
O gozo retido no meu pau ergue-se contra mim, ele quer te sabotar.
A noite que me consome pedaço a pedaço - também quer chegar até seu sol.
Tudo aquilo que me forma, aquilo que eu não sei nomear, aquilo que não existe até eu dar nome:
Todas elas querem você.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Almanaques (23/40)

Minha vó sugeria "vamos fazer uma colagem!"
Procurávamos por temas e assuntos. Por vezes eram animais com olhares que poderiam te tornar vegetariano, em outros momentos eram sonhos concretizados em objetos, consumos, paisagens e fugas. O processo se dividia em uma caça aos tesouros perdidos desavisadamente pelas páginas de revistas velhas; o recorte preciso em contornos ou formas geométricas imprecisas, porém combinadas; e, finalmente, a montagem de quadros que viviam a potencialidade da emolduração que nunca viria.
Toda imagem encontrada era uma festa, uma divisão e um espanto. A surpresa da fotografia tão preciosa e a decepção do tamanho incoerente com o espaço remanescente. O gritar de "achei!" e o virar da folha para ver se não havia um "ACHEI!" mais gostoso em contraposição.
Uma tarde, um trabalho e uma abstração.

Hoje minha vó já não me sugere mais colagens.
Ainda procuro por temáticas e ideias, mas elas já não me encantam ou me mudam  essencialmente. De certo modo, às vezes, me despertam dos sonhos que já tive: Me acidento em tesouros perdidos, por tantos marcados com Xs nos mapas desbotados nas minhas paredes; releio os grandes espaços vazios deixados nas páginas de HQs e periódicos: preenchendo-os com abstrações do que poderia ou não fazer sentido naquele contexto; remonto quadros que só existem em frases como "Vamos fazer uma colagem!".
Todo texto escrito é uma memória, uma versão e uma aversão. A surpresa da releitura tão rara e a decepção da escrita incoerente com meu espaço recorrente. O grito achado no virar das páginas para que, logo, possa ser superado por um grito mais maduro em justaposição.
Uma noite, um retrabalho e uma materialização.