quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Almanaques (23/40)

Minha vó sugeria "vamos fazer uma colagem!"
Procurávamos por temas e assuntos. Por vezes eram animais com olhares que poderiam te tornar vegetariano, em outros momentos eram sonhos concretizados em objetos, consumos, paisagens e fugas. O processo se dividia em uma caça aos tesouros perdidos desavisadamente pelas páginas de revistas velhas; o recorte preciso em contornos ou formas geométricas imprecisas, porém combinadas; e, finalmente, a montagem de quadros que viviam a potencialidade da emolduração que nunca viria.
Toda imagem encontrada era uma festa, uma divisão e um espanto. A surpresa da fotografia tão preciosa e a decepção do tamanho incoerente com o espaço remanescente. O gritar de "achei!" e o virar da folha para ver se não havia um "ACHEI!" mais gostoso em contraposição.
Uma tarde, um trabalho e uma abstração.

Hoje minha vó já não me sugere mais colagens.
Ainda procuro por temáticas e ideias, mas elas já não me encantam ou me mudam  essencialmente. De certo modo, às vezes, me despertam dos sonhos que já tive: Me acidento em tesouros perdidos, por tantos marcados com Xs nos mapas desbotados nas minhas paredes; releio os grandes espaços vazios deixados nas páginas de HQs e periódicos: preenchendo-os com abstrações do que poderia ou não fazer sentido naquele contexto; remonto quadros que só existem em frases como "Vamos fazer uma colagem!".
Todo texto escrito é uma memória, uma versão e uma aversão. A surpresa da releitura tão rara e a decepção da escrita incoerente com meu espaço recorrente. O grito achado no virar das páginas para que, logo, possa ser superado por um grito mais maduro em justaposição.
Uma noite, um retrabalho e uma materialização.

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