sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A jaula



  E tinha ele, este Sabiá.
  Bem aparentado, não muito mal tratado, com a plumagem integra e a melodia melancólica. Seu canto era triste, daqueles que fazem a alma chorar, não é comum dos sábias que cantem de forma tão áspera .. Não foi sempre assim, ele já havia cantado as mais belas canções, algumas que botaram sorrisos em lábios de crianças, e outras que alegraram festas no céu. Agora ele era apenas um sonhador que via as nuvens pelas frestas, e sentia o vento quando abriam a janela.
  Tinha o 'dono', era chamado por Senhor. Talvez porque ele o alimentasse quando se lembrava, ou se sentava ao seu lado para pensar... Nesses dias o Sabiá cantava da forma mais linda e afetuosa que poderia, às vezes tinha um olhar de derrota, mas fingia constante euforia para seu Senhor se felicitar. Aquele que o possuía não fazia por maldade, pensava o passarinho, roubaste minha liberdade em troca de minha companhia, cantava aos seus vizinhos.
  Os outros pássaros, iam visitá-lo ocasionalmente. Alguns por dó, alguns por saudades, outros por simples ócio. O Sabiá chorava... nas asas daqueles que vinham consolá-lo dizendo "É muito sofrido, você não merecia". O sabiá entendia, e movia a cabeça como quem consentia.
  Ao ver João tendo uma casa e família, invejava aquela moradia. Ao ver o pintassilgo planar e se misturar com as flores da colina, suspirava em grande agonia. E ao ouvir o cantar feliz das milhares de aves no céu azul, se acabava em depressões banhadas por prantos de um choro desiludido. Começou a não comer, pensou que assim poderia voltar aos céus... Começou a não piar e que assim seu silêncio acalmaria sua alma. Vinha o dilema: ' mas se eu não estiver aqui, quem estará para meu Senhor?', seguido de, 'e se meu dono me trocar, e eu não tiver serventia nem para estar em um pedacinho de seu coração?'.E assim ele voltava ao comportamento dito normal.
  De tanto pensar, de tantos comprimentos irônicos dos quais diziam, 'bem te vi', e dos grasnos das maritacas que não deixavam-no em paz. Ele se perdeu. Se alienou, como se esquecesse que deveria alimentar-se, como se não soubesse mais como cantar, e o pior... como se voar já não fosse mais importante. Não sabemos se foi o Senhor num ato de misericórdia, ou se foram os canários que de nada são otários, mas a portinhola de sua gaiola se abriu e a imensidão azul o tomou... Entrou perante suas narinas, e seu bico abriu-se num grande 'piu', e suas penas sentiram a brisa que poderia ser dele.
  O Sabiá sabia que estava estático. O Sabiá sabia que não havia sido seu senhor, e que havia sim, a ajuda de muitos outros pássaros conscientes naquela história. O Sabiá não sabia se queria sair de sua gaiola, porque aquilo ali ele já chamava de lar. Porque aquele mistério imenso que antes o pertencia, ele já não sabia desvendar, e nem mesmo por onde voar. O Sabiá achava que tinha alguém que ele deveria cuidar.
  Depois de muito pensar, o sabiá já não soube de mais nada. Apenas de que não era mais um sabiá.
  Porém,nós que assistimos de fora e não sofremos das dores que aflingiam aquela ave, somos conscientes de que aquele pássaro não é menor que nenhum outro, e que se ele tivesse a coragem de saltar para o mundo, teria a vida mais longa e maravilhosa que já houve entre todas as aves que provaram a amargura da jaula que muitas vezes chamam de amor.


Jones - ou melhor. O sábia

Nenhum comentário:

Postar um comentário