quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Ente

 

Ela voltou e catou o prato sujo e largado esquecido no canto da escrivaninha.

Voltou como se não tivesse escutado “Por que você tá chorando?” por minha ousadia

Voltou como quem se volta ao seu mal feitor e acusa em tom ríspido e sólido “É sua culpa!”

Voltou como quem não se chorar, ou responder, ou limpar não tivesse nenhuma serventia.

Voltou toda a voz que há ou havia e toda coragem que já houve um dia

Voltou tal qual quem me bate na boca por perguntar o que não devia

Voltou-se como um prato sujo largado esquecido no canto da minha velha escrivaninha

Saiu, tantas lágrimas, mas nada mais...

terça-feira, 17 de abril de 2018

Pra caso eu morra

Pra caso eu morra tem isso de carta.
Pra caso eu viva tem isso de texto
Eu só não quero ser lembrado por nada disso
Só não quero ser esse homem
esse branco
esse abusador
Eu não quero nada disso
Eu amo muito vocês
boa noite

terça-feira, 10 de abril de 2018

3 textos [3/3]


 Lista de Amores Findados
Em tópicos, bolinhas, tracinhos, asteriscos
1.      Fulanos enxeridos no meu gostar e ciclanos posseiros de corações alheios.
  • Tudo que eu entendi como amor e que nem ao mesmo poderia ser chamado de recíproco. Quiçá consensual.
-       Os tipográficos relacionamentos (momentaneos, prolongados, reverberados e inventados) nos quais os amores se fundaram. [Fundação em areia movediça, firmamento em terra esburacada]

*        Desamorosas considerações finais. Seus fins, minhas reações e meus sofrimentos.



Oração a cavalo

Ave Maria, uma moça cheia de graça, mas que bebia de mais
Nam Miohô Rengue Kyo, não me deixais cair em tentação
Pois agora o rei não se enforca, mas o amanhã adeus pertence.


Um abraço expresso     O conforto esperado
Um casulo de coesão   Você inteiro em mim
Conversas e afim          Auto-controle sem prospecção
Vergonhas descaradas   Verdades mascaradas
A droga que me deixa assim?   Quem é que te deixou assim?
O chá te liberta ou prende?       Outra liberdade mais comedida?
Uma prisão menos exaurida?    O meu pecado atormentado
Negado      Novamente, negado
Minha vergonha enrubescida     Meu pau envergado
Novamente, negado     É o sono
Não é o sono        A ansiedade?
É a falta de ar      Você ao meu lado
O banheiro como opção viável     A culpa enciumada em vão
Não há escapatória: Durma           Onde? Como? NÃO? Por que?
Acorda, dorme, acorda, dorme       Você nunca nem chegou a dormir
Que horas são?    Mas já? Não pode ser
Sonha.    Sonha.
Me pego em libido.        Um sonho safado
Acordado ou dormindo?      Sonhando
Desculpa, estava sonhando    Eu também
Dorme         Dorme
Mas acordo            Dorme
Que horas são?       Ainda? Dorme?
Metade de mim é tesão      Metade de mim é sono
1/3 sou eu       1/1 é você
Busco em você 2/3           Você se multiplica na cama
Aquele abraço certeiro      Acerta qualquer fantasia sua
1/3 é a erva       1/5 é seu corpo
Ele acabou de me responder       Quem?
Ele acabou de reagir        Quando?
Ele acabou de acordar         Por que?
De que diferença faz minha boca em suas costas e suas costas em meu corpo?                              Quem é esse ser que não sou eu e não  é você que nunca acordou e nunca apareceu.
Ele é permissivo, é compassivo, ele quer, ele aceita, ele gosta, não fiz nada de mais, eu preciso, eu quero, ele vai gostar, eu conheço, eu sei, el

E num piscar de olhos derrete-se em culpa os 4% do meu ser, não é possível nem ao menos se convencer... Quem seria capaz de imaginar. Estávamos bem, dói assumir a responsabilidade quando se está tão bem. Dói ver um erro nefasto, grotesco, atrocidade injustificável. Não culpo meus amores partidos, morridos, mortos e findados. Não me apóio em nada nem ninguém, pois nenhum deus vem a cavalo. Não me vejo no espelho, pois ele não me mostra um reflexo, mas me mancha um borrão.


Não!                                                      Eu tava dormindo.

domingo, 8 de abril de 2018

Besta [2/3]

Quem é este que dorme ao meu lado e me suspende em uma respiração pesada?
Quem é essa presença maligna que me açoita noite a dentro e me faz me contorcer?
Como lidar com esse Homem que, em minha cama, me reduz a nada?
Como castrar um Animal selvagem que baba densamente em minhas costas?
Por que Ele está ai? O que fiz para ser devorado incessantemente?
Por que não o confrontei com mais forças? O que fiz para ser levado insuficientemente?

Encaro-o:
Nada ao meu lado, além de mim,
a cama vazia e a noite cheia.

sábado, 7 de abril de 2018

Votos [1/3]

Não prometo-lhe nada que não possa cumprir, e portanto, não lhe prometo nada.
Indefensáveis verdades de um muro ideológico que cerca meu âmago: Me privo e provo.

Se meus braços não forem seguros, encosta funda de mais para ancoragem, e meu abraço for uma armadilha ao invés de um acalanto. 
Se meu colo não for macios e disforme, encosto de fundas memórias encorajadas, e minhas pernas funcionarem apenas como morada de serpente.
Se meu cabelo não for para ser dedilhado, entojo em tua respiravivência, e meus cachos serem apenas redemuinhos de problemas.
Se minha boca me trair, enoja-me a ti, meu lábio apenas exarcebados espinhos.
Se minha mente te tocar, ente a mim, minha mentira mendacitada.

Se falho a mim, privo-me: De teu carinho imparcial, de teu aconchego emergencial, de teu ser aparado em mim, de teu toque cuidadoso, de tua boca bem-dita, de teu indivíduo.
Até que, enfim, esteja perante a ti aquele que se dispôs a ser teu, na confiança cega da vida, indiferente da modalidade concreta desta posse.
Até lá. Enfim, provo-me: agridoce

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Lembrete afixado em um fardo (27/40)

- Eu consegui para de chorar, estou melhor.
- Tem certeza?!
- Sim, pode ir. Aproveita.

Muro P&B com detalhes em vermelho (26/40)

Recorto anúncios de vagas de empregos para as quais eu não me qualifico.
Na parede do meu quarto: um painel de vagas a serem ocupadas por qualquer um - menos eu.
Recorro à grande muralha de impossibilidade, lamentando por minha insignificância ao sentir a impactante irrisória inadequação da imobilidade.
Inapto a empregos que não anseio, ilhado em oportunidades que não me são ofertadas, invalidado em escolhas estagnadas.
Recordo, por vezes, os grandes "X" vermelhos naquelas utópicas palavras meticulosamente contadas e impressas. 
Rearranjo o jornal bagunçado - em lacunares cadernos desfalcados - digo a mim mesmo: 
"Estou só dando uma olhadinha nos classificados."