segunda-feira, 16 de março de 2015

Enquanto corria

Viajei por todos os mares,
oceanos de angustias e entardeceres.
Amores em cada porto, como ondas, a vida e tudo mais:
Marcas na pele.
Juntei-me em todas as manchas de sol e as fiz tinta - presa à pele.

A melanina, mais preta, mais sensível.
A tinta, que me caracterizava como saqueador de navios.
Formara uma âncora.
um Ferro.

Costumo descrever tal simbólica deformidade como instrumento.
Atiro todos os dias minhas experiências ao mar, na tentativa de me estabilizar. 
Afundo-me junto às expectativas e tento manter-me com os pés no chão (ou melhor, nas águas).
A tatuagem que me torna marinheiro, viajante, aventureiro... renega minha essência, pois seu significado tenta me ater ao fundo do mar. 
O paradoxo que me leva a navegar.
A necessidade que um objeto de ferro impõe ao navio de madeira.
A repetição: mar, navio, -ar.

Todos os dias, carrego minhas lembranças, mágoas, arrependimentos e pesos na consciência... Até abordar um inconsciente que me abarca.
Jogo essa liga ferrosa como oferenda a Iemanjá, como promessa aos santos, como revés ao destino.
Mas não a dispenso. Mantenho-a presa a barca.
Um lembrete: mesmo dura e pesada, minha história ainda é minha. 
Só posso pedir que me poupe, me sirva de porto, me apazigue.

No final do dia, me junto à boia da baía.
Quanto à âncora,
Junto cada sarda... E lá está ela,
O fardo preso ao antebraço.

Jone\|/s

quinta-feira, 12 de março de 2015

A polifonia do discurso

Ela esvaziou o estojo 
 - O que diz bastante sobre ela, não é todo mundo na faculdade que tem um estojo.
e colocou as 4 canetas vermelhas na mesa.
 - Obviamente não utilizaria essa cor à toa, tem sempre uma metonímia, uma metáfora...
 - Mas, se quisesse ser óbvio linkaria tudo aos lábios...
Vermelhas como seus olhos.
 - Agora, resta ao leitor definir as razões.
As quatro foram testadas, uma a uma, todas vazias.
 - Não vou tenta associar a nenhum aspecto da vida dela, pode deixar.
Perguntaram a ela:
"Are you ok?"

She didn't listen.
 - Aí é interessante, porque o narrador mudou de língua.
 - E o escritor tem um histórico em associar idiomas a sentimentos.
No cantinho mais fundo do estojo, havia um lápis creon.
 - Tem uma brincadeira... Talvez daquele tipo de "o autor quis dizer" com a escolha de vocábulos nessa sentença.
 - Sentença é uma palavra tão forte, né?
Ela o realocou no bolso de seu vestido.
 - Aqui, se tivéssemos uma descrição mais completa dessa "mulher/garota/senhora" saberíamos que ela detesta usar vestidos (por conta de suas pernas finas e tortas). Que se sente sempre assolada ao se sentar. E que tenta puxar o vestido com força([s] vetoriais > meridionais), através dos punhos fechados que socam os bolsos.
 - Porém, a descrição é falha e neutra. Vocês nunca saberão nada disso sobre ela.
Fechou. Antes de a professora dar a aula por terminada.
 - Fechou o que? Essa acepção é feita com o intuito de mostrar como ela AMA a matéria que está tendo. A matéria era literatura.
 - Isso foi irônico? Tem importância que matéria ela está tendo?
Catou as canetas usadas, alinhadas, desgastadas.
 - Bem comum esse recurso, talvez empobreça o texto.
Atirou todas 3 na lixeira,
Parou na última.
 - Há uma alternação de sentido em como ela maneja as canetas: "todas", "última", "uma a uma".
Imitando uma pirata, saqueadora, caolha.
 - Já que estamos na bosta mesmo, não custa muito...

Olhou o tubinho e constatou:
 - Vazio, manchado, talvez haja um restinho que nunca mais vai sair.

Jones

terça-feira, 10 de março de 2015

Psicossomático

Achei um documento que acreditei eu ser uma causa mortis.
Não era.
Entendi ser uma receita, prescrição para remediar o não.
Mal foi.
Rasguei o amassado desdobramento de parecer medicinal em 4 (quatro).
É assim:

Engasgado em clichês que não usou.

Agente causador: Medo de plágios comuns.
Sintomas: Súbito inflar de peito em suspensão de suspiro; lacrimejar esforçado por razões forçadas; mordidas aflitas no lábio inferior acompanhadas de trilha sonora folkanianas; reações alérgóricas à filmografia pseudo-romântica seguida de soluçar arritmo petulante, morte enunciada.
Profilaxia: Cite-se duas vezes ao dia, tomando cuidado em sempre utilizar discurso armazenado em local livre e direto.

                                                                                                                   

cold.

Agente causador: Exposição ~ em demasia ~ da solidão ao relento.
Sintomas: Pé frio; tatuagens e cicatrizes doloridas; inchaço e vermelhidão em toda face (principalmente ao se deparar consigo mesmo no espelho); dissertações compulsivas em formato de stream of consciousness.
Profilaxia: Vestir calças longas, "vivendo" protegido de qualquer tipo de arrepio.

                                                                                                                   

"Indetereminência"

Agente causador: Schizophrenia Nostalgicas
Sintomas: forte propensão ao monólogo; coceira no ego; grandes pausas

de silêncio
anárquico;

péssimo entendimento de si mesmo; desamor carnal.
Profilaxia: Pastiches moderados com altas dosagens de pós-modernismo de um conceito de "eu".

                                                                                                                    

Esvaziamento das vistas

Agente causador: Unknown
Sintomas: Coloração intensa de toda causa externa; desvio da função "will"; surgimento de lacunas arquitetônicas no subjetivo; miopia funcional aplicada aos relacionamentos interpessoais.
Profilaxia: Escrever.



Já era noite, tranquei a biblioteca, desci as escadas, o vento uivou, os sinos da igreja tocaram e a porta se encontrava meio aberta, à meia luz. Essa cena, na qual Poe se deleitaria, me suspendeu um suspiro, um calafrio nas pernas, uma certa confusão mental e uma vontade pungente de escrever.

J§nes